Bastou o novo ministro da Justiça, Eugênio Aragão, cobrar limites à atuação da
Polícia Federal para despertar a ira de delegados e ser acusado de obstrução da
Justiça. O PPS, satélite dos tucanos na campanha pró-impeachment, entrou
com ação no Supremo Tribunal Federal para impedi-lo de mudar o comando da
polícia.
Aragão não se intimida. “O ministro da Justiça tem
um poder hierárquico sobre a PF, que também se consubstancia no controle
disciplinar”, afirma em entrevista a CartaCapital.
um poder hierárquico sobre a PF, que também se consubstancia no controle
disciplinar”, afirma em entrevista a CartaCapital.
Com 29 anos de
experiência no Ministério Público Federal, ele avalia que o juiz Sergio Moro
agiu à margem da lei ao tornar pública a conversa telefônica entre Dilma Rousseff
e o ex-presidente Lula.
experiência no Ministério Público Federal, ele avalia que o juiz Sergio Moro
agiu à margem da lei ao tornar pública a conversa telefônica entre Dilma Rousseff
e o ex-presidente Lula.
CartaCapital: Como
classificar a divulgação da conversa telefônica entre Lula e Dilma
Rousseff?
classificar a divulgação da conversa telefônica entre Lula e Dilma
Rousseff?
Eugênio Aragão: Vamos
entender antes o teor da conversa. Aconteceu ali uma coisa singela. Da mesma
forma que o ministro Jaques Wagner não pôde vir para a posse,Lula talvez não pudesse comparecer. Dona
Marisa estava doente. A presidenta Dilma agiu, então, da mesma forma como no
caso Wagner. Vou mandar alguém aí, que vai lhe entregar o termo de posse, e você
assina só em “caso de necessidade”. Ou seja, se você não puder vir, podemos
completar o ato. É isso. Aí surgiram as especulações: “Ah, eles queriam dar um
salvo-conduto para o Lula, para o caso de ser preso”. Sinto muito, é de uma
asneira sem tamanho. Como é possível alguém se preservar com uma posse
clandestina?
entender antes o teor da conversa. Aconteceu ali uma coisa singela. Da mesma
forma que o ministro Jaques Wagner não pôde vir para a posse,Lula talvez não pudesse comparecer. Dona
Marisa estava doente. A presidenta Dilma agiu, então, da mesma forma como no
caso Wagner. Vou mandar alguém aí, que vai lhe entregar o termo de posse, e você
assina só em “caso de necessidade”. Ou seja, se você não puder vir, podemos
completar o ato. É isso. Aí surgiram as especulações: “Ah, eles queriam dar um
salvo-conduto para o Lula, para o caso de ser preso”. Sinto muito, é de uma
asneira sem tamanho. Como é possível alguém se preservar com uma posse
clandestina?
CC: Do
ponto de vista jurídico, é legal a divulgação dos áudios?
ponto de vista jurídico, é legal a divulgação dos áudios?
EA: A questão
passa pelo interesse político. Há um desvio claro da utilização do poder
jurisdicional. Primeiro, pois o caso em si não tem substância, mas seu uso
político causa uma comoção se é alimentada a suspeita, sem pé nem cabeça, de
que aquele termo de posse era um salvo-conduto. O juiz Sergio Moro determinou o
fim das interceptações às 11 e pouco da manhã, o que já é estranho. A escuta
teria mais dois dias, ele encerrou antes do tempo previsto. Parece que o
objetivo era exatamente criar algum tipo de comoção, dois dias antes de uma
manifestação convocada pelos movimentos em favor da legalidade.
passa pelo interesse político. Há um desvio claro da utilização do poder
jurisdicional. Primeiro, pois o caso em si não tem substância, mas seu uso
político causa uma comoção se é alimentada a suspeita, sem pé nem cabeça, de
que aquele termo de posse era um salvo-conduto. O juiz Sergio Moro determinou o
fim das interceptações às 11 e pouco da manhã, o que já é estranho. A escuta
teria mais dois dias, ele encerrou antes do tempo previsto. Parece que o
objetivo era exatamente criar algum tipo de comoção, dois dias antes de uma
manifestação convocada pelos movimentos em favor da legalidade.
CC: Moro agiu
politicamente?
politicamente?
EA: Agiu.
Ele encerrou as escutas com o objetivo de tornar públicas as interceptações.
Então é certificado nos autos que a Polícia Federal foi notificada do
encerramento, mas a prestadora de serviço continuou a mandar sinal para o
Sistema Guardião. Até a companhia telefônica cessar a replicação do sinal leva
algum tempo. Ela continuou a abastecer o Guardião com outros telefonemas. Então,
às 13h32, vem esse diálogo entre Dilma e Lula. Qual é o procedimento padrão? A
PF manda tudo ao juiz, até para não ser acusada de fazer seleção de diálogo.
Ele encerrou as escutas com o objetivo de tornar públicas as interceptações.
Então é certificado nos autos que a Polícia Federal foi notificada do
encerramento, mas a prestadora de serviço continuou a mandar sinal para o
Sistema Guardião. Até a companhia telefônica cessar a replicação do sinal leva
algum tempo. Ela continuou a abastecer o Guardião com outros telefonemas. Então,
às 13h32, vem esse diálogo entre Dilma e Lula. Qual é o procedimento padrão? A
PF manda tudo ao juiz, até para não ser acusada de fazer seleção de diálogo.
CC: A PF não
tem responsabilidade nesse episódio?
tem responsabilidade nesse episódio?
EA: À
primeira vista, não. Eles estavam dentro do padrão. Esse material foi remetido
ao juiz, que, ciente de um resto de interceptação fora do período autorizado,
mandou fazer um laudo. A transcrição é feita às pressas e, por volta das 17
horas, ele torna público. Moro sabia muito bem que aquele diálogo, se tivesse
alguma relevância, deveria ser incluído nos autos e remetido ao Supremo, pois a
presidenta da República tem foro privilegiado. Pior: ele deu publicidade a uma
prova que não lhe pertencia.
primeira vista, não. Eles estavam dentro do padrão. Esse material foi remetido
ao juiz, que, ciente de um resto de interceptação fora do período autorizado,
mandou fazer um laudo. A transcrição é feita às pressas e, por volta das 17
horas, ele torna público. Moro sabia muito bem que aquele diálogo, se tivesse
alguma relevância, deveria ser incluído nos autos e remetido ao Supremo, pois a
presidenta da República tem foro privilegiado. Pior: ele deu publicidade a uma
prova que não lhe pertencia.
CC: Usurpou
uma competência do Supremo. É isso?
uma competência do Supremo. É isso?
EA: É
extremamente grave. Moro demonstrou intenção política, desprezo no que diz
respeito à autorização da escuta, que não valia mais, e, por fim, divulgou, sem
antes remeter os autos para o Supremo. Evidentemente, isso configura um claro
acinte à Segurança Nacional. Em país nenhum do mundo alguém pode sair escutando
diálogos de um presidente da República ao telefone. Um juiz não tem esse poder.
extremamente grave. Moro demonstrou intenção política, desprezo no que diz
respeito à autorização da escuta, que não valia mais, e, por fim, divulgou, sem
antes remeter os autos para o Supremo. Evidentemente, isso configura um claro
acinte à Segurança Nacional. Em país nenhum do mundo alguém pode sair escutando
diálogos de um presidente da República ao telefone. Um juiz não tem esse poder.
CC: Quais
providências o governo pretende tomar?
providências o governo pretende tomar?
EA: Estamos
avaliando, mas não ficará sem resposta. Algumas medidas foram tomadas.
avaliando, mas não ficará sem resposta. Algumas medidas foram tomadas.
A
Advocacia-Geral da União conseguiu trazer a investigação relacionada ao
ex-presidente para o Supremo, e o relator determinou que todos os diálogos
voltassem a ser sigilosos, como manda a lei. A legislação é muito clara: o ato
de levantar o sigilo depois da escuta é para garantir a defesa dos acusados.
Mas o conteúdo continua sigiloso para o grande público, não está liberado.
Advocacia-Geral da União conseguiu trazer a investigação relacionada ao
ex-presidente para o Supremo, e o relator determinou que todos os diálogos
voltassem a ser sigilosos, como manda a lei. A legislação é muito clara: o ato
de levantar o sigilo depois da escuta é para garantir a defesa dos acusados.
Mas o conteúdo continua sigiloso para o grande público, não está liberado.
O artigo 10 da Lei de Interceptações incrimina quem
tomar esse tipo de atitude. Escutas que não se prestam ao processo devem ser
destruídas. Aquele diálogo peculiar da ex-primeira-dama (em que Marisa
critica os paneleiros) não tem nenhuma utilidade processual. É conversa
reservada. Se a gente não pode falar o que quer em conversas privadas, em que
país vivemos?
tomar esse tipo de atitude. Escutas que não se prestam ao processo devem ser
destruídas. Aquele diálogo peculiar da ex-primeira-dama (em que Marisa
critica os paneleiros) não tem nenhuma utilidade processual. É conversa
reservada. Se a gente não pode falar o que quer em conversas privadas, em que
país vivemos?
CC: Em
que medida esse episódio compromete a Lava Jato?
que medida esse episódio compromete a Lava Jato?
EA: Quero
deixar bem claro que isso não compromete as conclusões e o trabalho regular da
operação. Não se trata de atacar o juiz Moro com a finalidade de atacar a
investigação. Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. Precisamos ser
republicanos. O governo tem todo interesse de preservar a Lava Jato, mas no que diz respeito aos abusos,
que maculam a investigação, deve demonstrar a sua preocupação.
deixar bem claro que isso não compromete as conclusões e o trabalho regular da
operação. Não se trata de atacar o juiz Moro com a finalidade de atacar a
investigação. Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. Precisamos ser
republicanos. O governo tem todo interesse de preservar a Lava Jato, mas no que diz respeito aos abusos,
que maculam a investigação, deve demonstrar a sua preocupação.
CC: Como o
senhor pretende conter os vazamentos, se isso parece ser uma estratégia da
força-tarefa para angariar apoio da opinião pública?
EA: Temos
três atores: a PF, sob a supervisão do Ministério da Justiça, o Ministério
Público e o Judiciário, que têm seus órgãos de controle. Cada um que faça o seu
dever de casa. O ministro da Justiça não tem nenhuma ingerência sobre a
atividade fim da Polícia Judiciária. Em relação à coleta de provas e à
investigação propriamente dita, os agentes da PF prestam satisfação ao
Judiciário. Mas o ministro da Justiça tem um poder hierárquico sobre a PF, que
também se consubstancia no controle disciplinar. Se nós verificamos que um
agente desvia as suas atribuições, é claro que temos de garantir que esse tipo
de atuação seja coibido. Queremos uma polícia de excelência, e isso não se
compraz com o vazamento clandestino de informações.A respeito da disciplina na
Polícia Federal: O Ministério da Justiça tem poder hierárquico (Foto: Rovena Rosa/ABr)
três atores: a PF, sob a supervisão do Ministério da Justiça, o Ministério
Público e o Judiciário, que têm seus órgãos de controle. Cada um que faça o seu
dever de casa. O ministro da Justiça não tem nenhuma ingerência sobre a
atividade fim da Polícia Judiciária. Em relação à coleta de provas e à
investigação propriamente dita, os agentes da PF prestam satisfação ao
Judiciário. Mas o ministro da Justiça tem um poder hierárquico sobre a PF, que
também se consubstancia no controle disciplinar. Se nós verificamos que um
agente desvia as suas atribuições, é claro que temos de garantir que esse tipo
de atuação seja coibido. Queremos uma polícia de excelência, e isso não se
compraz com o vazamento clandestino de informações.A respeito da disciplina na
Polícia Federal: O Ministério da Justiça tem poder hierárquico (Foto: Rovena Rosa/ABr)
CC: Em que
circunstâncias um policial pode ser afastado?
circunstâncias um policial pode ser afastado?
EA: Sei que a
grande maioria dos policiais é séria, e sei também que, se vazamento houve, não
necessariamente partiu de nossos agentes. A lei permite o afastamento em caso
de motivada e razoável suspeita. Quando digo que não precisa de prova, é porque
a suspeita é suficiente. É o poder administrativo cautelar que a gente tem, até
para não permitir máculas na investigação. Apenas demos uma chamada, para
cessar qualquer tipo de intenção de transformar a Lava Jato num factoide
político.
grande maioria dos policiais é séria, e sei também que, se vazamento houve, não
necessariamente partiu de nossos agentes. A lei permite o afastamento em caso
de motivada e razoável suspeita. Quando digo que não precisa de prova, é porque
a suspeita é suficiente. É o poder administrativo cautelar que a gente tem, até
para não permitir máculas na investigação. Apenas demos uma chamada, para
cessar qualquer tipo de intenção de transformar a Lava Jato num factoide
político.
CC: O senhor
planeja alguma mudança no comando da PF?
planeja alguma mudança no comando da PF?
EA: Cheguei
há uma semana, estou conhecendo os atores, observando seu modo de trabalhar.
Também pergunto se desejam continuar. A relação de confiança é bilateral.
Ninguém pode ser obrigado a se submeter a um ministro em quem não confia. É
perfeitamente possível que alguns não queiram trabalhar comigo, assim como
posso não querer trabalhar com eles.
há uma semana, estou conhecendo os atores, observando seu modo de trabalhar.
Também pergunto se desejam continuar. A relação de confiança é bilateral.
Ninguém pode ser obrigado a se submeter a um ministro em quem não confia. É
perfeitamente possível que alguns não queiram trabalhar comigo, assim como
posso não querer trabalhar com eles.
CC: Delegados
se manifestaram contra uma possível interferência do senhor. Um partido
político entrou até com uma ação para impedi-lo de mudar cargos na PF. O senhor
se sente intimidado?
se manifestaram contra uma possível interferência do senhor. Um partido
político entrou até com uma ação para impedi-lo de mudar cargos na PF. O senhor
se sente intimidado?
EA: Não,
absolutamente não. Apenas não permito que os agentes não observem as normas disciplinares.
Entrevistas só podem ser feitas com autorização da direção-geral da PF. Se um
delegado der uma entrevista não autorizada, isso pode lhe trazer consequências.
Não me refiro à Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal. Seus
integrantes estão no papel de fazer política. Agora, um policial que, em
atividade regular, venha fazer publicamente críticas à administração, isso tem
outra conotação. Tenho 29 anos de Ministério Público Federal e sempre atuei
dentro das regras. Jamais interferi em investigações, jamais.
absolutamente não. Apenas não permito que os agentes não observem as normas disciplinares.
Entrevistas só podem ser feitas com autorização da direção-geral da PF. Se um
delegado der uma entrevista não autorizada, isso pode lhe trazer consequências.
Não me refiro à Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal. Seus
integrantes estão no papel de fazer política. Agora, um policial que, em
atividade regular, venha fazer publicamente críticas à administração, isso tem
outra conotação. Tenho 29 anos de Ministério Público Federal e sempre atuei
dentro das regras. Jamais interferi em investigações, jamais.
Sobre a tese de que Lula foi nomeado ministro para
escapar de Moro: Lenda urbana (Foto: Nelson Almeida/AFP)
escapar de Moro: Lenda urbana (Foto: Nelson Almeida/AFP)
CC: O senhor
acredita que o procurador-geral Rodrigo Janot deu aval à divulgação dos
grampos?
acredita que o procurador-geral Rodrigo Janot deu aval à divulgação dos
grampos?
EA: Não
acredito que ele tivesse conhecimento dos conteúdos divulgados, até porque esse
material não chega ao procurador-geral com essa pressa toda. Isso é do
conhecimento da força-tarefa. Se os autos sobem para o STF, aí ele toma
conhecimento.
acredito que ele tivesse conhecimento dos conteúdos divulgados, até porque esse
material não chega ao procurador-geral com essa pressa toda. Isso é do
conhecimento da força-tarefa. Se os autos sobem para o STF, aí ele toma
conhecimento.
CC: Recentemente,
um juiz de Brasília expediu uma liminar contra a posse de Lula em tempo
recorde, após ter participado de manifestações pró-impeachment. O ministro
Gilmar Mendes tampouco esconde seu antipetismo. Essa politização da Justiça é
saudável para o País?
um juiz de Brasília expediu uma liminar contra a posse de Lula em tempo
recorde, após ter participado de manifestações pró-impeachment. O ministro
Gilmar Mendes tampouco esconde seu antipetismo. Essa politização da Justiça é
saudável para o País?
EA: Quem tem
de se preocupar com a politização do Judiciário é o Conselho Nacional de
Justiça e o STF. Como cidadão brasileiro, posso ficar muito preocupado com essa
tendência de politização. Parece-me que isso não contribui muito para a
superação da crise em que nos encontramos.
de se preocupar com a politização do Judiciário é o Conselho Nacional de
Justiça e o STF. Como cidadão brasileiro, posso ficar muito preocupado com essa
tendência de politização. Parece-me que isso não contribui muito para a
superação da crise em que nos encontramos.
CC: Como o
senhor avalia o argumento de que o ex-presidente Lula aceitou o cargo de
ministro apenas para obter foro privilegiado?
senhor avalia o argumento de que o ex-presidente Lula aceitou o cargo de
ministro apenas para obter foro privilegiado?
EA: É lenda
urbana. Há tempos o governo precisa de alguém com interlocução mais efetiva com
os atores do Legislativo, e o ex-presidente tem esse perfil. Não há vantagem
nenhuma em ser julgado pelo Supremo. Além de ter demonstrado nesses anos que
não compactua com a impunidade, o STF não oferece instância revisional. Tanto é
assim que muitos dos réus do “mensalão” clamaram para ser julgados em primeira
instância, onde tinham mais chances de reverter decisões desfavoráveis.
urbana. Há tempos o governo precisa de alguém com interlocução mais efetiva com
os atores do Legislativo, e o ex-presidente tem esse perfil. Não há vantagem
nenhuma em ser julgado pelo Supremo. Além de ter demonstrado nesses anos que
não compactua com a impunidade, o STF não oferece instância revisional. Tanto é
assim que muitos dos réus do “mensalão” clamaram para ser julgados em primeira
instância, onde tinham mais chances de reverter decisões desfavoráveis.