Bandidos que
comandam o crime no estado têm até um “estatuto” que proíbe uso de crack, veta
estupradores e homossexuais

Por Robson
Bonin | Veja

Resultado
da incapacidade dos governos de controlar o sistema prisional país afora, a
onda de terror disseminada no Rio Grande do Norte por facções organizadas nas
penitenciárias era um risco conhecido das autoridades potiguares há pelo um
ano. Uma investigação do Ministério Público do Rio Grande do Norte concluída no
ano passado revelou que uma nova e poderosa facção criminosa, o Sindicato do
Crime, surgia nos presídios do estado. Nascida de uma dissidência do Primeiro
Comando da Capital (PCC), a facção logo dominou o submundo das prisões,
lucrando com o monopólio da venda de drogas dentro e fora dos presídios, com o
comércio informal no cárcere e com o pagamento de “mensalidades” por parte dos
integrantes da “família” – como eles se identificam – que estavam fora das
prisões, livres para cometer crimes, conseguir dinheiro, armas e drogas.
Os
ataques começaram depois que as autoridades instalaram bloqueadores de celular
na Penitenciária de Parnamirim, na região metropolitana de Natal, uma medida
que comprometeu a comunicação dos criminosos. Desde sexta-feira (29), já foram
registrados oitenta atentados no estado. Delegacias de polícia, prédios
públicos, carros e ônibus foram incendiados em diversos pontos da capital e do
interior. Mais de 70 suspeitos já foram presos.
Durante
quase um ano de trabalho monitorando os criminosos, os investigadores do
Ministério Público potiguar conseguiram desenhar, a partir de interceptações
telefônicas e de conversas de WhatsApp dos presos, toda a anatomia da facção
Sindicato do Crime (confira
a seguir)
. No ano passado, as investigações do MPRN levaram a
prisão de dezenas de criminosos. A Justiça determinou o bloqueio de 79 contas
bancárias usadas pela facção, mas a ação não foi suficiente para frear o avanço
dos criminosos.
O
material em poder das autoridades revelou níveis alarmantes de organização e de
domínio do aparato estatal por parte dos criminosos nos presídios. “Os
integrantes do ‘Sindicato do Crime’, ou ‘SDC’, compreenderam a sistemática de
funcionamento da organização (PCC) e romperam com a mesma por discordarem do
grande rigor das regras do estatuto do grupo, da forma de tratamento com
inadimplentes com a contribuição mensal e do valor desta, além da insatisfação
com a obrigação de prestar contas a detentos de outros estados”, registra o
MPRN em um dos relatórios da investigação.
Leia
alguns trechos de escutas que mostram os bandidos do “sindicato” em ação:

A
facção tem até um estatuto, uma espécie de “código de ética do crime”, que os
integrantes devem seguir dentro e fora das prisões. quem desrespeita o código
ou “vira as costas” para a facção é julgado pelo tribunal do crime. VEJA teve
acesso ao calhamaço de mais de cem páginas que materializa a investigação do
Ministério Público. O estatuto do Sindicato do Crime, fundado em março de 2013,
tem dezessete “mandamentos” a serem seguidos pelos integrantes da facção. Os
soldados do Sindicato do Crime também se denominam “família RN”.  Está lá
no estatuto, por exemplo, no artigo 3º, que os bandidos irão declarar “guerra
contra grupos de extermínio e em casos extremos”. A instalação de bloqueadores
de celular, que interrompe o principal meio de comunicação e organização da
facção, por exemplo, seria um desses “casos extremos”.
 O
estatuto também deixa claro que a “ética do crime” pregada pela facção deve ser
seguida pelos bandidos dentro e fora da prisão: “Todos os integrantes da
família RN têm a obrigação de seguir a ética do crime acima de tudo”. É
proibido “conflito interno” na facção, para que não haja divisões, e também é
proibido usar o nome do Sindicato do Crime para resolver “problemas pessoais”.
Há ainda a preocupação com a própria saúde dos bandidos da facção. Eles são
proibidos de usarem drogas pesadas, que comprometem sua atuação. “Todos os
integrantes da família RN tem compromisso de não usar crack nem rivotril, nem
no sistema nem na rua. Caso venha a usar, vai ser avaliado pela final”, diz o
artigo 6º. “Final” é o tribunal da facção responsável por avaliar as
transgressões dos integrantes da “família”.
 
Os
principais pontos do estatuto do Sindicato do Crime são os seguintes:
 

Humildade, paz e liberdade.

Guerra contra grupos de extermínio e em casos extremos.

Todos os integrantes da família RN têm a obrigação de seguir a ética do crime
acima de tudo…

Todos os integrantes têm obrigações a dar. A contribuição do caixa mensal do
RN, rifas e dinheiro, salvo aqueles que se encontram no sistema e que estejam
sem condições. Dinheiro esse que será usado em prol da própria família RN, na
aquisição de drogas, armas, advogados, etc…

Todos os integrantes da família RN que se encontram em liberdade e
estruturados, que se esquecerem e virarem as costas para a família,
principalmente com quem está no sistema, serão avaliados pela final (o tribunal
da facção)…

Todos os integrantes da família RN devem dar bom exemplo a ser seguido. Por
isso, a família RN não aceita estuprador, homossexual, cagueta, extorsão, entre
outros atos (de afronta) a ética do crime.

A família RN não admite mentiras, traição, inveja, calúnia, egoísmo, interesses
pessoais, mas sim: a verdade, respeito, lealdade, transparência. Porque o
objetivo da família é a melhor para todos, sempre na ética do crime.

Todos os integrantes  tem como obrigação, inclusive com os companheiros de
fora da família, respeito, lealdade, humildade, hombridade fidelidade
transparência e sendo a família em primeiro lugar (sic).
 
 

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