Sócio
de uma offshore no Panamá e ligado a suspeitos de corrupção, Paulo Henrique
Cardoso prosperou à sombra do pai

Por
Lucio de Castro, na Carta
Capital

Os negócios
da família do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso vão muito além das
contas no exterior do patriarca investigadas pela Polícia Federal. Incluem
também transações do filho Paulo Henrique com a Odebrecht, as offshore
no Panamá e no Reino Unido, além de uma sociedade com o ex-braço direito do
presidente argentino Mauricio Macri que se suicidou em meio a um
escândalo de corrupção.
Paulo
Henrique Cardoso manteve durante uma década negócios com a Braskem, uma
sociedade entre a Odebrecht e a Petrobras, por meio da World Wide Partnership
Importação e Exportação, empresa de comércio de produtos petroquímicos.
Embora
PHC só conste como sócio da WWP a partir de 26 de outubro de 2004, dois anos
depois do término do segundo mandato presidencial do pai, a WWP foi aberta em
31 de março de 1999, no auge do processo de abertura do setor no País que
resultou na liderança da Odebrecht na indústria petroquímica.
A
WWP assinou uma parceria com a Braskem para produzir resinas especiais de PVC
no ano em que Paulo Henrique aparece oficialmente no quadro societário da
companhia.
PHC
tem também uma offshore no Panamá. Criada em 19 de novembro de 2011, a
empresa tem os mesmos sócios e o mesmo nome da matriz paulista. Além disso, em
sociedade com o pai abriu outra companhia, desta vez no Reino Unido, a Ibiuna
LLP, datada de 30 de março de 2009. Ibiuna é uma referência à cidade no interior
paulista onde fica a fazenda na qual o ex-presidente descansava durante o
mandato.
FHC
assinou em novembro de 1995 a emenda constitucional que acabou com o monopólio
da Petrobras. No mesmo ano, a Odebrecht fundou a OPP Petroquímica. Em janeiro
de 1998, FHC criou a Agência Nacional do Petróleo e entregou a presidência ao
genro David Zylbersztajn. Um ano depois, nasce a WWP. No período, 27 empresas
do ramo petroquímico foram privatizadas, com amplo financiamento do BNDES, o
banco estatal de fomento.
Em
2002, a Odebrecht reuniu todas as empresas petroquímicas que havia adquirido
sob o chapéu da Braskem. A Petrobras se tornaria sócia minoritária do
empreendimento (a estatal anunciou a intenção de deixar o negócio neste ano). Em
2010, a Braskem deu início a um processo de internacionalização. No ano
seguinte, a WWP abriu a offshore no Panamá.
Segundo
documentos obtidos na Junta Comercial do Panamá, os sócios de PHC na
offshore
são Luiz Eduardo Ematne e Stephen Timothy Fitzpatrick. Ematne aparece como
fundador da matriz brasileira em 31 de março de 1999. Em 24 de janeiro de 2001,
o norte-americano Fitzpatrick ingressa na sociedade.
Ematne
afirma não se lembrar de detalhes da WWP. Em uma conversa rápida por telefone,
falou vagamente sobre a sociedade: “Não me lembro de quando ele (PHC)
entra. Uns 8, 9, 10 anos. A empresa tem 12, 14 anos. Foi aberta há pouco tempo
no Panamá, 2, 3 anos. É da área de tecnologia, distribuidora de resina. Existe
empresa no Japão que comprou nossa tecnologia. Por isso abrimos empresa no
Panamá. Constituída legalmente. Mas o Paulo já saiu na de lá também. O volume
de vendas é nada”.
O
empresário alegou estar em trânsito e sugeriu outra conversa mais tarde.
Novamente procurado, mudou de ideia e foi taxativo: “Não vou mais falar. Não
tenho obrigação de falar. Meu advogado me disse que não devo falar nada”.
O
escritório panamenho
Sucre, Arias e Reyes foi
responsável pelo suporte na constituição da WWP no país. Na offshore, PHC
aparece não só como sócio, mas tesoureiro. Consta seu endereço residencial em
São Conrado, no Rio de Janeiro. O Sucre, Arias e Reyes é conhecido pela
assistência na abertura de empresas de fachada para lavagem de dinheiro naquele
paraíso fiscal.
Em
2005, em um dos mais rumorosos escândalos a envolver o Cartel de Cali, da
Colômbia, o Departamento do Tesouro dos Estados Unidos apontou que as
corporações usadas como lavanderia eram constituídas essencialmente por três
bancas panamenhas, entre elas a Sucre, Arias e Reyes.
Em
sua propaganda, o escritório ressalta a “agilidade para constituição das offshore
que vão manejar contas bancárias, adquirir imóveis e proteger ativos”. Com os
préstimos da Sucre, Arias e Reyes, a WWP teve seu registro assentado às 10h48
de 18 de novembro de 2011 e entrou no sistema de informática da repartição
pública no dia seguinte.
No
ano passado, a Polícia Federal identificou uma comunicação entre o Instituto
FHC e a Braskem para acertar o pagamento de uma doação da petroquímica. De
acordo com o e-mail que consta em laudo da PF, a secretária do Instituto FHC e
um representante da Braskem combinaram a forma do desembolso. “Gostaria que
você verificasse com a Braskem qual a melhor maneira para fazer a doação…
Acho que a Braskem/Odebrecht já fez doações para a Fundação iFCH.”
A
reportagem identificou
a participação de PHC em nove
empresas, três em sociedade com FHC. Uma delas é a offshore na
Inglaterra, a Ibiuna LLP. No Brasil, pai e filho são sócios na Goytacazes
Participações e na Córrego da Ponte, antiga parceria entre o ex-presidente e o
ex-ministro Sérgio Motta.
Outras
três são de “consultorias empresariais”: a Analiti(K), a Intrabase e a
Corporate Idea, esta última criada juntamente com a irmã Luciana em 8 de agosto
de 1997, quando o pai ainda estava no primeiro mandado. 
Na
Analiti(K), aberta em 23 de setembro de 2005, PHC teve como sócio um dos mais
polêmicos personagens da recente história argentina, que cometeu suicídio em
meio a uma série de denúncias de corrupção.
Apesar
de estrangeiro, Gregorio Centurión tinha um CPF brasileiro. Amigo desde os
bancos escolares de Mauricio Macri, comandou e foi o marqueteiro do atual
presidente desde o mandato de deputado federal.
Centurión
cuidou da comunicação de Macri na campanha à prefeitura de Buenos Aires e virou
secretário de Comunicação Social da capital. Era o coração do chamado núcleo
duro do “macrismo”. Antes disso, desempenhou funções vitais nas empresas da
família.
No
poder, Centurión dispensou as licitações para contratar empresas prestadoras de
serviço entre os anos de 2009 e 2010. Ancorado na Lei nº 2.095 de Buenos Aires,
contratava diretamente os fornecedores. Privilegiou grupos de comunicação ao
pagar mais pelos anúncios para quem tinha dez vezes menos audiência.
Aplicou
em ritmo frenético a estratégia de privilegiar empresas amigas enquanto a verba
destinada à secretaria multiplicava-se a cada ano. O esquema funcionou até a
deputada Rocio Sánchez Andía apresentar uma denúncia contra ele e outros dois
secretários.
Em
25 de novembro de 2010, enquanto Macri estava em lua de mel por conta de um
terceiro casamento, o juiz Gustavo Pierreti autorizou uma operação policial nas
dependências da prefeitura. Os domínios de Centurión foram os principais alvos
e dezenas de documentos acabaram apreendidos.
Os
delitos de administração infiel em prejuízo da gestão pública, malversação de
verbas, negociações incompatíveis e descumprimento dos deveres do funcionário
público ganharam musculatura com as apreensões e o sócio de PHC entrou em
depressão. Antes disso, Centurión estivera envolvido em escândalo de escutas
ilegais.
 
Na
noite de 19 de dezembro, o principal auxiliar de Macri disparou um tiro de
escopeta contra a própria cabeça. Em 9 de junho de 2011, segundo o Diário
Oficial do Estado de São Paulo
de 26 do mesmo mês, os sócios da consultoria
Analiti(K) se reuniram, em mesa presidida por PHC, para promover a “dissolução
parcial da Sociedade e consequente redução do capital social, tendo em vista o
falecimento do sócio Gregorio Centurión, ocorrido em 19 de dezembro de 2010”.
Em
2009, no auge dos negócios do parceiro Centurión com as rádios portenhas, PHC
abriu a Rádio Holding Participações, uma “holding de instituições não
financeiras”. Entre os sócios aparecem a americana ABC Ventura Corp, além de
Jobelino Vitoriano Locateli e José Tavares de Lucena, representante no quadro
societário de diversas empresas no País.
Em
geral, afirmam especialistas, representantes como Locateli e Lucena servem para
resguardar a identidade de quem não deseja aparecer diretamente em uma
sociedade, normalmente estrangeiros.
Entre
as sociedades
representadas
por Locateli está a Sport World Group, sócia da Traffic Sports World, que tem
entre seus sócios o empresário J. Hawilla, em
prisão domiciliar
nos Estados Unidos por participação no escândalo da Fifa.
A
Rádio Holdings chegou a ser mencionada no Congresso Nacional em 2011, por
controlar a Itapema, então retransmissora da Rádio Disney, acusada de ser a
verdadeira proprietária do canal, algo vedado pela lei, que só permite a
participação de estrangeiros no capital de meios de comunicação até o limite de
30%.
Em
fevereiro de 2012, FHC criou a Goytacazes Participações, com finalidade de
“outras sociedades de participações”, em parceria com a filha Luciana. PHC
ingressou no quadro societário em janeiro do ano seguinte.
A
reportagem ouviu o Instituto FHC sobre as relações da WWP com a Braskem. “São
empresas privadas legalmente constituídas e declaradas. Paulo Henrique não faz
mais parte da WWP.” A reportagem informou para a assessoria do iFHC que, pelas
bases de dados consultadas, tanto da Receita Federal quanto na Junta Comercial
de São Paulo, a saída de PHC não constava até a presente data. O mesmo vale
para o equivalente à Junta Comercial do Panamá.
Sobre
a parceria
com a empresa de Paulo
Henrique Cardoso, a Braskem, por meio da assessoria de imprensa, enviou a
seguinte nota para a consulta da reportagem: “A Braskem assinou acordo com a
WWP em 2004, detentora exclusiva de tecnologia para a fabricação de resinas
especiais de PVC. Por meio desse acordo, a Braskem produziu e distribuiu essas
resinas voltadas para a aplicação de especialidades vinílicas até 2013, quando
as relações comerciais foram encerradas. Como empresa privada, a Braskem
seleciona suas tecnologias com foco em sua estratégia empresarial. Atualmente,
a empresa possui pelo menos três dezenas de acordos assinados para uso de
tecnologia de terceiros. O contrato assinado com a WWP representou menos de
0,01% do faturamento da companhia”.
Apenas
para efeito de estimativa aproximada, tomando o ano de 2014, último a constar
no site da Braskem com resultados financeiros ali publicados, a receita bruta
no ano foi de 54,1 bilhões de reais e a receita líquida de 47,3 bilhões de
reais. 
Outras
questões foram enviadas para PHC. Como a razão por só constar na WWP em
2004, após o governo do pai. E se confirmava a existência e participação da WWP
no Panamá. Em caso de comprovação, a razão da empresa e se estava registrada na
Receita Federal.
Através
do iFHC, Paulo Henrique Cardoso limitou-se a dizer que “não faz parte mais da
WWP e que a Ibiuna já foi encerrada. São negócios privados, todos devidamente
declarados à Receita Federal”, ignorando o questionamento sobre a offshore
do Panamá.
A
reportagem perguntou também sobre Gregorio Centurión, se PHC conhecia as
denúncias de corrupção do sócio. PHC ignorou as indagações sobre corrupção do
ex-sócio. “Trata-se de empresa privada, com atuação regular e com todas as
informações registradas na Junta Comercial de São Paulo.” 
Indagado
pela reportagem sobre a existência da Ibiuna, empresa no exterior em sociedade
com o filho PHC, o ex-presidente FHC afirmou, através da assessoria de imprensa
do Instituto FHC que “a empresa citada foi efetivamente aberta em Londres, para
recebimento de proventos de palestras. Sempre foi devidamente declarada no
Imposto de Renda. Foi encerrada em 2013. O saldo equivalente a 5,5 mil reais
foi repatriado ao Brasil via Banco Central.” 
Diante
da resposta
sobre o motivo da abertura da
empresa, a reportagem pediu se era possível saber a data, contratantes e
valores das palestras entre 2009 e 2013. A assessoria respondeu que “O iFHC é
uma Fundação: está submetido à Curadoria de Fundações do Ministério
Público de São Paulo, que audita as suas contas. A praxe sobre as palestras que
o presidente faz, privadamente, é a de que quem as contrata divulga ou não os
dados”. 
A
reportagem perguntou para PHC a razão para constar da sociedade com o pai na
Ibiuna LLP, inscrita na Inglaterra, já que a empresa foi aberta para
“recebimento de proventos de palestras” de FHC, sem resposta.
A
Receita Federal não responde sobre casos específicos de registros de empresa.
De acordo com a Receita Federal, “todas as pessoas jurídicas domiciliadas no
Brasil, inclusive as equiparadas pela legislação do Imposto sobre a Renda,
estão obrigadas a inscrever no CNPJ cada um de seus estabelecimentos
localizados no Brasil ou no exterior, antes do início de suas atividades”.
Segundo
o órgão, “em relação à Pessoa Jurídica que possui filial, sucursal, controlada
ou coligada no exterior, a informação sobre as participações e os resultados
apurados por essas participações no exterior são informados à Receita Federal
por meio da Declaração de Informações Econômico-Fiscais da Pessoa Jurídica
(DIPJ). A sanção pelo não cumprimento da obrigação relacionada à DIPJ é
prevista legalmente”.  
*Reportagem
publicada originalmente na edição 895 de CartaCapital, com o título
“Negócios de família”

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