O presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), confirmou o fim do Ministério do Trabalho (MTE) nesta quarta-feira (7). Sem dar mais detalhes, afirmou que a pasta será “anexada a algum ministério”.
Criado em 1930 por Getúlio Vargas sob o nome Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, a pasta é uma das mais antigas e duradouras da história brasileira. Entre suas principais funções estão organizar a relação entre sindicatos, trabalhadores e empresas e garantir a estabilidade nestas relações.
Anexar o Ministério do Trabalho a outra pasta teria que impactos? Como afetaria empresas e trabalhadores? O UOL ouviu especialistas em direito trabalhista e relações de trabalho para entender as possíveis consequências da decisão.
Ministério ‘indispensável’
As discussões sobre empregabilidade e suas condições passam diretamente pelo Ministério do Trabalho e Emprego, segundo o advogado trabalhista Ivandick Rodrigues, professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
“É uma perda para a democracia, especialmente em um cenário como o atual, em que se debate muito o desemprego” – Ivandick Rodrigues, professor do Mackenzie
O juiz Guilherme Feliciano, presidente da Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho), também disse lamentar a decisão.
“O MTE é uma instituição que carrega tradição de 88 anos, sempre protagonizou uma pasta ministerial”, afirmou. “Como todos sabemos, é um valor constitucional referido entre os fundamentos da República. [Sua extinção] seria péssimo para as relações sociais.”
Fiscalização pode ser comprometida
Segundo os especialistas ouvidos pelo UOL, a função mais importante e que deve ser a mais afetada é a de fiscalização. Para o advogado trabalhista Thiago Barison, doutor em direito do trabalho pela USP (Universidade de São Paulo), o Ministério do Trabalho é indispensável e, em vez de ser anexado, deveria ser fortalecido e modernizado.
“O MTE tem funções fiscalizatórias. Precisamos fazer a fiscalização avançar para a era da internet. Perder esta especialização e este know-how é um retrocesso”, afirmou o advogado. “[O MTE] Deveria ter a mesma tecnologia fiscalizatória que a Receita Federal.”
“O ideal é: qualquer trabalho prestado é objeto de fiscalização, tributação e, portanto, segurança. Segurança contra riscos ambientais, sociais e econômicos”, disse Barison.
As normas fiscalizatórias podem sofrer uma grande perda. Se não há quem fiscalize, como elas serão mantidas? Como será feita esta organização? – Ivandick Rodrigues, professor do Mackenzie
Lista suja do trabalho escravo
Entre os avanços do ministério, os especialistas citaram a lista suja do trabalho escravo, que denuncia empresas pela prática do crime.
Não é segredo para ninguém que trabalho análogo à escravidão e infantil ainda são realidade no Brasil. É preciso ter algum órgão do Executivo que fique de olho – Ivandick Rodrigues, professor do Mackenzie
Feliciano disse que, até 1995, o Brasil se recusava a reconhecer a existência de trabalho escravo contemporâneo no país. “Depois, nós nos tornamos referência para o mundo no combate à escravidão contemporânea”, afirmou o magistrado.
Ruim para o bom empregador
Não são só os trabalhadores que devem sair perdendo, segundo os entrevistados. A mudança pode prejudicar todo o ciclo do emprego, inclusive as empresas.
“A extinção do MTE abre espaço para concorrência desleal, à base de superexploração, prejudicando os bons empregadores”, disse Barison.
“A propagação das normas do trabalho visa ao equilíbrio. Em um cenário de competitividade entre empresas, quem não cumpri-las [em busca de diminuir custos] é punido. Logo, extinguir quem fiscaliza penaliza os bons empregadores, porque os ruins não serão fiscalizados”, afirmou Rodrigues.
Mais ações na Justiça
Além disso, com a queda na fiscalização, a tendência é que haja aumento no número de processos trabalhistas na Justiça, pois, segundo os advogados, cria-se “insegurança jurídica”.
“Quanto menor a fiscalização, mais ações trabalhistas. Fiscalizar é melhor porque é preventivo”, afirmou Barison.
“O que poderia ser resolvido com fiscalização pelo Executivo cai no Judiciário, que já é lento e oneroso. Os problemas não vão desaparecer, vão se agravar”, afirmou Rodrigues.
Menos pastas com mais eficiência?
A possível extinção do MTE faz parte de um programa mais amplo do futuro governo Bolsonaro, que pretende diminuir o número de ministérios, para enxugar a máquina pública, sem perder a eficiência. Os especialistas dizem não acreditar que isso vá funcionar nesse caso.
“Vamos pegar a CLT [Consolidação das Leis do Trabalho)] como exemplo. Ela usa o MTE para fixar uma série de normas, como o Artigo 162, que trata de serviços especializados em segurança e em medicina do trabalho. Alguém terá de assumir [esta regulamentação], mas quem vai expedir? O Ministério da Saúde? Ou será criada uma nova secretaria?”, disse Rodrigues. “É uma insegurança muito grande.”
“A fiscalização do trabalho passaria para que órgão? Para o Ministério da Justiça? E os recursos que são geridos pelo FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador) e pelo FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço), que, somados, são da ordem de R$ 1 trilhão, seriam geridos com que finalidade, a partir de que planejamento?”, disse Feliciano.
Para o magistrado, este possível desmembramento só prejudicaria as políticas públicas promovidas pelo ministério. “Hoje, de qualquer maneira, o MTE realiza uma gestão com foco claro: fomenta a empregabilidade e as políticas públicas de carência social”, afirmou. “Afora as diversas políticas públicas que poderiam ser descontinuadas [com seu fim].”