Esquema desviou R$ 24 milhões e envolvidos já
foram condenados em primeira instância ao regime fechado

 

O
Ministério Público Federal no Rio Grande do Norte (MPF/RN) ingressou com
recurso para aumentar a pena imposta à ex-prefeita de Natal Micarla de Sousa e
outros oito condenados nos crimes descobertos pela chamada Operação Assepsia. A
investigação revelou um esquema de desvio de verbas do Fundo Nacional de Saúde
(FNS) por meio da contratação da Associação Marca pela prefeitura de Natal
entre 2010 e 2012.
“A
sentença judicial foi exemplar ao condenar pessoas envolvidas em um dos maiores
escândalos de corrupção já descobertos em Natal e certamente servirá de alerta
para outros que pretendam agir de forma igualmente ilícita com os recursos
públicos. Ainda assim, consideramos que é necessário, e legalmente devido, a
majoração das penas e a condenação por crimes pelos quais alguns réus foram
absolvidos, de modo que tenhamos a devida reprimenda aos atos praticados”,
destacou o autor da apelação, o procurador da República Fernando Rocha.

A sentença recorrida foi proferida no dia 29 de julho e diz respeito a uma das
16 ações que tramitam na Justiça Federal decorrentes da Operação Assepsia (oito
penais e oito por improbidade administrativa). A apelação do MPF requer um novo
cálculo das penas, levando-se em conta os agravantes já observados pelo juiz
federal Walter Nunes, quando da sentença, e o acréscimo de novos agravantes
ainda não considerados. O recurso busca também a condenação do ex-procurador do
município Alexandre Magno por corrupção passiva e de sua esposa, jornalista
Anna Karinna Cavalcante, por associação criminosa e lavagem de dinheiro.

No esquema desbaratado pela operação, pessoas ligadas à prefeitura do Natal
organizaram, junto com o empresário Tufi Soares Meres, o desvio de recursos que
resultou em R$ 24 milhões de prejuízo aos cofres públicos. Os crimes foram
concretizados pela contratação da Associação Marca, “travestida de organização
social”, para gerir os ambulatórios médicos especializados (AMEs) dos bairros
Nova Natal, Planalto e Brasília Teimosa e a unidade de pronto-atendimento (UPA)
do Pajuçara.

Condenações
– No último dia 29 de julho, foram condenados pelos crimes de desvio de
recursos públicos e associação criminosa a ex-prefeita Micarla de Sousa; seu
ex-marido, Miguel Weber; e os ex-servidores do município, Francisco Assis Rocha
Viana e Antônio Carlos Soares Luna. Já o ex-procurador do município Alexandre
Magno; sua esposa, Anna Karinna Cavalcante; o ex-secretário de Saúde Thiago
Trindade; o ex-procurador geral do município Bruno Macedo; e o ex-servidor
Carlos Fernando Bacelar foram condenados por desvio de recursos.
As penas,
todas elas de reclusão em regime inicialmente fechado, foram: Micarla de Sousa,
16 anos, 6 meses e 10 dias; Miguel Weber, 12 anos; Alexandre Magno Souza, 10
anos; Thiago Barbosa Trindade, 9 anos e 2 meses; Francisco de Assis Viana e
Antônio Luna, 11 anos e 2 meses; Bruno Macedo Dantas, 8 anos, 7 meses e 10
dias; Carlos Fernando Pimentel Bacelar Viana e Anna Karinna Cavalcante da
Silva, 8 anos, 2 meses e 10 dias.
O
juiz determinou ainda para todos a perda do cargo e a inabilitação, pelo prazo
de cinco anos, para cargos ou funções públicas, eletivas ou de nomeação. Fixou
em R$ 24.415.272,31 o valor mínimo para reparação dos danos causados aos cofres
públicos e decretou, como medida cautelar, o arresto de bens de cada um, até o
limite de R$ 4.050.000, além da proibição de se ausentarem do país. Todos ainda
podem recorrer da sentença.
Dosimetria
– Para o MPF, as penas deveriam ser ainda maiores. O Ministério Público Federal
considera que a agravante que recai sobre quem organiza a associação criminosa
(artigo 62, inciso I, do Código Penal) deveria ser somada, além da ex-prefeita,
à pena de Miguel Weber. Ele, em mensagens trocadas com Tufi Meres, chegou a
negociar os valores a serem pagos à Marca pela prefeitura, embora oficialmente
não exercesse qualquer função na administração municipal. “À vista do exposto,
não há como negar que Miguel Weber, ao lado de Micarla Araújo de Sousa,
comandou a atuação dos demais apenados e ora recorridos, orientando-os e
traçando-lhes coordenadas, razão pela qual as penas a ele atribuídas devem ser
agravadas (…)”.
A
apelação também requer um novo cálculo sobre as agravantes já consideradas pelo
magistrado, que poderá ampliar a sentença de todos os nove condenados, e pede à
Justiça que considere o “abuso de poder” por parte dos sete que ocupavam cargos
na prefeitura.
Corrupção
e lavagem
– Em relação a Alexandre Magno e sua esposa, Anna
Karina, o recurso do MPF pede a condenação do primeiro por corrupção passiva e
da última por associação criminosa e lavagem de dinheiro, crimes pelos quais
foram absolvidos em primeira instância.
No
caso do ex-procurador, o juiz entendeu que a corrupção está “embutida” no crime
de desvio de verbas, pelo qual ele foi condenado. O MPF discorda e aponta que
são “infrações penais autônomas”.
Dentro
do esquema criminoso, Alexandre Magno chegou a ser escalado pelo empresário
Tufi Meres até mesmo para negociar novas parcerias, na área de gestão de
medicamentos, junto à prefeitura de Natal, bem como de serviços para o governo
doestado e outras prefeituras do Rio Grande do Norte. Para o MPF, as trocas de
mensagens do ex-procurador com o empresário e outros integrantes do grupo
deixam claro como ele se favorecia das irregularidades. Em uma delas, tratando
dos repasses da Secretaria de Saúde para a Marca, Alexandre afirma: “Tenho que
fazer esse povo lhe pagar, se não, além das AME’S, eu vou fechar também”.
No
entender do MPF, mais que corrompido, ele estava efetivamente engajado na
organização criminosa, tendo contribuído na edição da lei que permitiu a
qualificação e contratação da Marca e batalhado pela liberação de pagamentos à
Associação. “Os episódios de corrupção passiva não corresponderam a meio normal
de preparação ou mero exaurimento do desvio de verbas, mas sim resultaram de
desígnio autônomo, desejo de alcançar proveito econômico pelos trabalhos
ilícitos”.

quanto a Anna Karinna, a Assepsia interceptou uma troca de mensagens dela com
Rosi Bravo (representante da Marca em Natal), após uma ida da esposa de
Alexandre Magno ao Fórum Estadual, quando o contrato da prefeitura com a
empresa vinha sendo questionado judicialmente e uma decisão sobre o prazo que
poderia durar esse contrato estava para ser tomada.
Ela
conta a Rosi que teria conversado com um desembargador: “(…) ele sondou o
contrato. (…) Me disse 30 milhões – 2% – 1 agora e um daqui a 6 a 8 meses. (…)
Posso detalhar a conversa toda depois”. O próprio juiz que condenou os
envolvidos entendeu que “a estarrecedora conversa travada entre Rose Bravo e
Anna Karinna demonstrou que esta última compareceu ao fórum estadual, na
companhia do cônjuge Alexandre Magno, com o firme intuito de interferir na
solução judicial acerca dos contratos abocanhados pela Marca em Natal.”
O
magistrado observou, inclusive, que “prova mais contundente da participação da
acusada Anna Karinna na empresa criminosa impossível. Aliás, o diálogo revela
que a participação dela era bem entranhada”. Ainda assim, a jornalista foi
absolvida do crime de associação criminosa. Para o MPF, a Justiça deve reformar
a sentença e determinar a condenação também por esse crime.
Pedido
semelhante diz respeito à acusação de lavagem de dinheiro, tendo em vista que a
empresa pertencente a Anna Karinna (Escrita Comunicação) recebeu recursos da
Marca. Para o juiz, a jornalista sabia que a contratação de sua empresa “tinha
o dedo” de seu esposo. No recurso, o MPF alega que Alexandre Magno não só
influenciou no contrato, como também recebeu parte da propina através da
empresa da jornalista. Relatórios de assessoria apresentados por Anna Karinna,
na tentativa de comprovar a execução de serviços à Marca, não contam, sequer,
com o atesto de qualquer servidor ou funcionário da empresa ou mesmo da
Prefeitura.
A
ação tramita na Justiça Federal sob o número 0001904-11.2014.4.05.8400.

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