Rodeada
de amigos, familiares e admiradores querendo tirar uma foto, Luana Tolentino
era hoje (21) uma estrela ao fim da 65ª solenidade de entrega da Medalha da
Inconfidência, a maior honraria concedida por Minas Gerais. Atendia a todos com
um sorriso no rosto e muita atenção. Mas seu olhar denunciava estar dividida
entre o carinho dos que ali estavam e alguma preocupação. “Meus pais
estavam logo ali, não os vejo. Eles não estão acostumados com um evento assim”,
confessou.

A
busca durou mais algum tempo, até que uma funcionária do cerimonial do governo
lhe deu o recado. Os pais já haviam embarcado no carro do evento com destino ao
local do almoço. Finalmente tranquila, o sorriso ganhou ainda mais espaço no
rosto. Era a alegria de alguém que chegou lá.

Luana
Tolentino trabalhou dos 13 aos 18 anos como empregada doméstica. Hoje,
professora de História, ela abre alas em uma solenidade protagonizada em sua
maioria por desembargadores, médicos, empresários, militares, políticos e
diplomatas. “É uma vitória muito grande. É um reconhecimento da mulher
negra na minha pessoa. Então, eu falo que essa medalha não é só minha, é dessa
geração que, com mais oportunidades, tem conquistado o acesso a direitos e a
políticas públicas ao largo desses últimos 12 anos.”
 

Histórico

A
entrega da Medalha da Inconfidência ocorre todos os anos em Ouro Preto no dia
21 de abril, data em que se lembra a morte de Tiradentes. A honraria foi
instituída pelo então governador mineiro Juscelino Kubitschek, em 1952. Os
agraciados são escolhidos por um conselho composto por representantes dos
poderes executivo e legislativo do estado e de Ouro Preto. Nesta edição, 147
pessoas e entidades receberam as três designações: Grande Medalha, Medalha de
Honra e Medalha da Inconfidência. Além deles, o ex-presidente do Uruguai, José
Mujica, recebeu o Grande Colar, a honraria máxima.

Luana
era visível em meio aos agraciados não só pela sua origem humilde, mas também
por questões de raça e gênero. “Geralmente, quem costuma ganhar essa
medalha são juristas, empresários, políticos e, em sua grande maioria, homens
brancos. Ou seja, a minha figura destoa de tudo isso. Eu venho de família
humilde, sou negra e sou mulher. Eu sou a prova de que um outro Brasil vem
sendo construído com novos protagonistas”, disse.

Entre
as 147 pessoas que receberam a medalha, apenas 32 eram mulheres. Dois terços
eram políticos, policiais, militares ou profissionais do meio jurídico, como
desembargadores, juízes, promotores, procuradores e advogados. Além destes,
ainda havia médicos, diplomatas e religiosos. Dividiram espaço com Luana nomes
como os do ministro da Justiça, Eugênio Aragão, e dos deputados federais
Reginaldo Lopes (PT) e Jô Moraes (PCdoB).

Homenagem

A
lista de agraciados traz, além de Luana, mais uma historiadora que, no entanto,
recebeu a honraria in memorian: Inês Etienne Romeu. Mineira de Pouso Alegre
(MG), ela foi a única sobrevivente da Casa da Morte, em Petrópolis (RJ), local
onde diversos presos políticos foram torturados e executados clandestinamente
durante a ditadura militar. Dentro de seis dias, se completará um ano do
falecimento de Inês Etienne Romeu, que tinha 72 anos.

Professora
do ensino fundamental na Escola Municipal Bárbara Maria Salomão, Luana também
encontrou na cerimônia outros 12 docentes. A maioria, porém, atua no ensino
superior. Negros como ela eram poucos, geralmente aqueles que também superaram
as mais variadas adversidades.

Como
Arthur de Oliveira Abrantes, de Paracatu (MG), que sempre estudou em escola
pública e agora, aos 18 anos, foi aceito em sete universidades dos Estados
Unidos e se prepara para ingressar em Harvard, onde receberá uma bolsa de
estudos. Ou como o rapper Flávio Renegado, que saiu da periferia de Belo
Horizonte no bairro Alto Vera Cruz, para fazer sucesso por meio da música.

Quando
entrou na universidade há 12 anos, Luana Tolentino não contou com a ajuda de
nenhum programa social voltado para a educação. “Na minha época, ainda não
havia o ProUni e o Fies não tinha as características que têm hoje. Você
precisava devolver um valor muito alto”. Para dar conta da mensalidade do
Centro Universitário Uni-BH, ela arrumou um emprego no setor comercial. Hoje,
no entanto, ela vê um Brasil mais maduro para permitir que pessoas como ela
obtenham sucesso. “Há mais oportunidades”, confessa.

No
entanto, ela se preocupa com o futuro do país e, historiadora, não hesita em
fazer um diagnóstico da conjuntura atual. “É duro ver um processo
democrático ruir. É isso que está acontecendo. Nós temos uma presidenta que
recebeu 54 milhões de votos. Podem usar diversos subterfúgios, falar sobre
corrupção, mas na verdade é um golpe, não tem outro nome”.

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