Depois de horas de marcha pacífica entre a avenida
Paulista e o Largo da Batata, a polícia joga bombas quando os manifestantes já
estavam de saída

Carla Jiménez – El País
Havia
milhares de pessoas na avenida Paulista neste domingo protestando contra o
presidente Michel Temer em uma manifestação convocada, inicialmente, pelos
coletivos Frente Brasil Popular e Povo Sem Medo. Em nada lembrou os outros
cinco atos que aconteceram ao longo da semana que passou em São Paulo, e que
foram classificados de “grupos pequenos de não mais que 40 a 100 pessoas”, como
disse o presidente Temer em entrevista na China.
A PM não divulgou o balanço de
público. Na conta dos organizadores, eram 100.000 pessoas: famílias com
crianças de colo, jovens e manifestantes ligados a movimentos sociais que
lotaram a avenida, e marcharam, a partir das 18 horas, até o Largo da Batata.
Tudo correu de maneira tranquila e organizada, como atestou a reportagem do EL
PAÍS, entre as 16h30, horário marcado para começar o ato no MASP, e as 20h45,
quando os manifestantes já estavam no Largo, depois de marchar por mais ou
menos cinco quilômetros.
Mas,
quando as pessoas começaram a ir embora, dirigindo-se ao metrô Faria Lima, em
frente à Batata, uma confusão se instalou com a Polícia Militar jogando bombas
de gás lacrimogênio para dispersar o fluxo dentro e fora da estação. Muitas
pessoas começaram a passar mal e a tossir em reação ao gás, incluindo idosos.
Os policiais jogaram bombas no mesmo Largo, numa ação que pegou de surpresa a
todos ali presentes. Mesmo sem reação, a Polícia passou jogando mais bombas.
“Paramos para comer em um bar e a polícia covarde e canalha, sem motivo algum,
jogou uma bomba de gás dentro do estabelecimento”, relata a publicitária
Mariana.
A
ação da PM no metrô começou quando um grupo começou a gritar “Libera a
catraca”. Segundo a polícia, foram vândalos que provocaram essa reação. “Em
manifestação inicialmente pacífica, vândalos atuam e obrigam PM a intervir com
uso moderado da força/munição química”, divulgou a polícia do Estado de São
Paulo em seu twitter por volta das 21h00. Era o mesmo desfecho que marcou todos
os atos anti-Temer realizados desde a segunda, dia 29. Balas de borracha também
foram disparadas.
O
fotógrafo Maurício Camargo foi atingido, segundo relata a repórter Marina
Rossi, que estava no momento do tiro. Um jornalista da BBC Brasil recebeu
golpes de cassetete mesmo estando identificado como jornalista. Segundo o Grupo
de Apoio ao Protesto Popular, 12 pessoas foram vítimas da ação policial, sendo
cinco delas intoxicadas com gás., quatro por estilhaços, e três por balas de
borrachas.
Imagens
de uma vidraça quebrada em um estabelecimento na avenida Paulista, divulgada
pela Globo News, explicaria mais tarde o que a PM procurou justificar. Mas, os
seis jornalistas do EL PAÍS que seguiram a marcha dos manifestantes em
distintos pontos do percurso não presenciaram nenhum ato de vandalismo, o que
não deixa claro se a tal vidraça quebrada foi uma reação posterior à violência
policial. Outras dezessete pessoas que estavam no protesto relataram, por rede
social, também não ter visto nada que pudesse ser considerado ‘vandalismo’.
Às
22h45, a Secretaria de Segurança do Estado divulgou uma nota alegando que houve
um princípio de tumulto na estação, que “se transformou em depredação. Vândalos
quebrando catracas, colocando em risco a vida de funcionários”. A repórter
Marina Novaes se encontrava no local na hora das bombas e não viu nenhuma catraca
depredada. Mais tarde, a ViaQuatro, concessionária responsável pela estação
Faria Lima, disse que a confusão resultou em uma lixeira, uma luminária e uma
catraca quebrada. O que também não deixa claro se esses prejuízos foram
provocados após as bombas terem sido atiradas.
Chamou
a atenção o fato de que neste ato de domingo havia a presença de famílias
inteiras com crianças e gente acima dos 40. Nos protestos anteriores, que
aconteceram ao longo desta semana, a presença majoritária era de jovens
estudantes, que tinham uma atitude mais provocativa com a polícia. Por isso, a
ação da PM causou estranheza e aumentou a desconfiança dos militantes de
esquerda sobre as reais intenções da corporação. “A PM de [governador Geraldo]
Alckmin dá seu show antidemocrático. Após o encerramento do ato pelo Fora Temer
com cerca de 100 mil pessoas, a PM resolveu provocar, atirar bombas e jatos de
água. Não nos intimidarão! Nenhum passo atrás!”, disse nas redes sociais
Guilherme Boulous, coordenador do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST).
Para
além deste desfecho infeliz, o Governo Temer certamente terá de rever seus
conceitos sobre a dimensão dos protestos que o rejeitam na presidência.
Milhares de manifestantes gritaram “Fora Temer” e “Diretas Já” para marcar
posição na rua e deixar claro que não estão confortáveis com a sua chegada ao
poder após o impeachment da ex-presidenta Dilma. “Ele não deveria ter
minimizado os protestos, foi falta de respeito”, disse Rodrigo, funcionário
público do governo de São Paulo. Estava entusiasmado por ver tantos militantes
de esquerda juntos. “Só em junho de 2013 vi isto”, afirmou, lembrando as
manifestações daquele ano.
Marchava
ao lado de Daniela, que trabalha com educação. Enquanto caminhavam, conversavam
sobre erros passados da ex-presidenta Dilma. E reconheciam naquela multidão que
muitos dos que estavam saindo para protestar não haviam defendido a
ex-presidenta durante o processo de impeachment. “Ao ver o outro lado crescer,
é preciso voltar às ruas”, diz Daniela.
Sidney
Fernandes, professor de História, e Wendel Alves, monitor de cultura, vieram de
Santo André, na grande São Paulo. “Viemos para denunciar o golpe em curso que
vai tirar direitos dos trabalhadores, e dinheiro de serviços públicos como o
SUS”, contou Fernandes. Não tinham expectativa de que Dilma voltasse. “Não
acreditamos que ela precise voltar, mas também não é certo que Temer, que não
teve nenhum voto fique. Queremos Diretas Já”, repetindo um mote ouvido ao longo
de toda a marcha. O senador petista Lindbergh Farias garantiu que o PT não vai
facilitar a vida de Temer. “Não sairemos mais das ruas até conseguirmos as
Diretas Já”, garantiu.
Ao
longo do protesto era possível ver bandeiras dos movimentos sociais, da CUT e
de alguns coletivos. Mas, a grande maioria dos manifestantes não estava
vinculada a nenhum movimento em específico. Haviam votado em Dilma na eleição
de 2014. Roseli, psicóloga que acompanhava o movimento da marcha na avenida
Rebouças, disse que apoiava o protesto porque estava contra a forma como o impeachment
foi aplicado. “Poderia ter sido com qualquer presidente, não só com a Dilma.
Não estaria de acordo do mesmo jeito”, disse. Alguns políticos estiveram
presentes no local. Caso de Luiza Erundina (PSOL), o senador Lindbergh Farias
(PT), e o secretário municipal, Eduardo Suplicy.

mais dois atos marcados para esta semana, nos dias 7 e 8 de setembro. A
violência gratuita do ato deste domingo pode ter um efeito bumerangue para o
Governo Temer. Foi assim em junho de 2013 quando a repressão policial insuflou
os manifestantes que foram engordando os protestos a cada novo ato. E os
eleitores de Dilma que foram às ruas neste domingo, deram o recado ao
presidente em um dos coros cantados ao longo da marcha: “Temer, não tem arrego,
você tira o meu voto e eu tiro seu sossego”.

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