Não creio que,
salvo diante de uma reviravolta eleitoral – e aí por esperteza, não por
princípios – algum grande jornal do Brasil se atreva a ter metade da coragem da
edição brasileira do 
El
Pais.

Os espanhóis têm a
experiência de uma ditadura cruel, forjada numa selvagem guerra civil e
aprenderam algo.
Muitos aqui, também
aprenderam, mas o que aprenderam foi a gostar de regimes autoritários, onde o
dinheiro veio farto a alguns.
O texto merece a
leitura de todos e é de fazer corar de vergonha a Folha,com seu vergonhoso
editorial “nem-nem” do primeiro turno:



A hora do Brasil

No segundo turno, não se trata de
escolher entre opções políticas e sim entre democracia ou não


A
taxativa vitória do ultradireitista Jair Bolsonaro (PSL) no primeiro turno das
eleições presidenciais realizadas no domingo, 7, no Brasil coloca o eleitorado
diante de uma decisão radical. No segundo turno, previsto para o dia 28 de
outubro, já não se trata de escolher entre duas opções políticas diferentes,
mas ambas democráticas, e sim entre um candidato que entende e cumpre os
padrões de governança das democracias ocidentais e outro que despreza e
considera inválido o sistema de liberdades que desde o final da ditadura
garante a igualdade e o progresso de 208 milhões de brasileiros.
Bolsonaro,
com um discurso abertamente xenófobo, racista, homofóbico e laudatório da
ditadura militar (1964-1985) obteve 46% dos votos, muito perto da maioria
absoluta que lhe teria outorgado diretamente a chefia do Estado. Fernando
Haddad, do histórico Partido dos Trabalhadores (PT), e candidato sucessor do
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, conseguiu passar ao segundo turno com
29,3%. Mais preocupante do que os números é o fato de que as falas de Bolsonaro
tocaram amplas camadas da população brasileira que veem esse militar da reserva
como a solução da profunda crise institucional e econômica que assola o país há
quatro anos e pelas quais culpa exatamente o PT.
A
diferença de votos entre os dois é grande, mas não intransponível porque o que
está em jogo é muito mais do que uma vitória eleitoral. É assim que devem
entender a situação tanto os eleitores de qualquer tendência política quanto
Haddad, que pelo segundo turno é obrigado a realizar uma exposição integradora
e de abertura em relação aos que até domingo eram seus grandes rivais no campo
democrático. Sua candidatura já não é somente a do PT e sim a de todos os
democratas do Brasil.
Nessa
encruzilhada os que foram rivais de Haddad no primeiro turno farão bem em
abandonar a exasperante colocação que apresenta o candidato do PT e Bolsonaro
como dois extremos comparáveis. Nada mais longe da realidade. Com todas suas
polêmicas, problemas, escândalos e processos judiciais, o PT é um partido que
na oposição sempre respeitou as regras do jogo democrático, que ganhou quatro
eleições presidenciais de forma absolutamente limpa, sob cujo governo a
democracia brasileira se transformou em um exemplo de progresso e que entregou
o poder como a lei exigiu mesmo considerando que o procedimento – o impeachment
da presidenta Dilma Rousseff em 2016 – era politicamente ilegítimo. Pelo
contrário, o candidato a vice de Bolsonaro fala abertamente em reformar a
Constituição de uma forma ilegal – mediante um conselho de notáveis – e
justifica a possibilidade de um golpe de Estado se as circunstâncias permitirem,
propostas que Bolsonaro rejeitou. O próprio candidato, no entanto, fala
abertamente em dar um papel preponderante ao Exército e carta branca à polícia
para matar. Não é possível continuar dando pouca importância a declarações
inaceitáveis marcando-as como uma estratégia para ganhar eleições. Nem tudo
vale.
O
Brasil não é a primeira democracia que vive essa situação. A França já passou
por isso em 2002 quando Jean Marie Le Pen chegou ao segundo turno. Os
franceses, à época, perceberam que a democracia não tem atalhos e votaram em
Jacques Chirac. Agora é a vez dos brasileiros.

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