Felipe
Parente, operador do PMDB, relata como recolheu R$ 5,5 milhões em dinheiro sujo
das empresas do petrolão em nome de Renan Calheiros e Jader Barbalho

FILIPE
COUTINHO E ANA CLARA COSTA – ÉPOCA
Na badalada Rua Farme de Amoedo, na Zona Sul do Rio
de Janeiro, funcionou até 2007 o restaurante Chez Pierre, no anexo do Hotel
Ipanema Plaza. Ali, diante de um cardápio que reunia 102 pratos, Felipe Parente
encontrou-se mais de uma vez com Iara Jonas, uma senhora de aspecto distinto,
sempre elegante. Avessa a rodeios, sucinta, Iara apenas pegava envelopes, por
vezes sacolas, cheios de dinheiro, entregues por Felipe. Iara era servidora do
Senado em Brasília, assessora do senador Jader Barbalho, do PMDB do Pará.
Felipe, empresário, era operador do então presidente da Transpetro, o
ex-senador Sérgio Machado, do PMDB. ÉPOCA teve acesso a depoimentos sigilosos
prestados por Parente aos procuradores do Grupo de Trabalho da Operação Lava
Jato na Procuradoria-Geral da República. Responsável por buscar propina em
dinheiro vivo junto a empresários que detinham contratos com a Transpetro, um
braço da Petrobras, Parente era o homem da mala dos senadores do PMDB. Sua
confissão é a prova mais robusta até agora contra o presidente do Senado, Renan
Calheiros.
Entre 2003 e 2015 Sérgio Machado ocupou o cobiçado
cargo de presidente da Transpetro graças à indicação e à proteção de Renan.
Escolheu então Felipe Parente para fazer o trabalho de recolher a propina
exigida pelos senadores que o mantinham no cargo. O relato de Parente é
minucioso. Ele fornece o roteiro, como protagonista, das captações de dinheiro
sujo junto a empreiteiras integrantes do petrolão, em endereços precisos,
circunstâncias e locais dos cerca de 15 encontros que teve com Iara,
identificada por ele como intermediária exclusiva de Renan e Jader Barbalho. O
depoimento de Parente é peça-chave na estrutura narrativa que a procuradoria
monta para caracterizar o envolvimento de Renan no esquema que sugou bilhões de
reais da Petrobras. Com a prisão do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha,
percebeu-se a força da metodologia da PGR. Na fundamentação de sua decisão, o
juiz Sergio Moro elencou uma dúzia de investigações conduzidas pela equipe que
despacha com o procurador-geral, Rodrigo Janot.
Os relatos de Parente trazem informações que
corroboram e dão materialidade às afirmações feitas por Sérgio Machado e seus
três filhos – Daniel, Expedito e Sérgio – em seus acordos de delação premiada,
firmados com a Lava Jato meses atrás. Mais do que isso, preenchem lacunas
deixadas pelos Machados. Os repasses relatados por Parente até o momento têm
como origem as empreiteiras Queiroz Galvão e UTC e a empresa canadense de
afretamento de navios Teekay Norway. Ao todo, segundo os trechos obtidos por
ÉPOCA, as três repassaram R$ 5,5 milhões (R$ 11 milhões em valores atualizados)
a Renan Calheiros e Jader Barbalho entre 2004 e 2006.
Parente, que até 2004 era uma espécie de “faz-tudo”
da empresa de materiais didáticos de Daniel Machado, filho de Sérgio, passou a
manusear cifras milionárias e a interagir com altos executivos das maiores
empreiteiras do país. Recebia 5% do valor que transportava. No caso da Queiroz
Galvão, que, segundo ele, desembolsou R$ 3,5 milhões em espécie com o objetivo
de abastecer os cofres de Renan e Jader, as tratativas se davam diretamente com
o então presidente Ildefonso Colares, hoje em prisão domiciliar.
Para ser recebido na presidência da companhia, uma
senha lhe era pedida: a palavra “lua”. Eis um trecho do depoimento de Parente:
“Que os repasses da Queiroz iniciaram em 2004 e perduraram até 2006; que Sérgio
Machado chamou o depoente (Parente) até a sede da Transpetro e pediu que o
depoente fosse até a sede da Queiroz para receber valores que seriam destinados
aos Senadores Renan Calheiros e Jader Barbalho”. Com os calhamaços de dinheiro
em mãos, Parente partia para a entrega, no Rio de Janeiro e em São Paulo –
nunca em Brasília. O recebimento era feito por Iara Jonas, uma senhora de 64
anos funcionária do gabinete de Jader no Senado. Moradora de Brasília, Iara fez
dez viagens ao Rio de Janeiro para receber entregas de R$ 350 mil em nome dos
dois peemedebistas. Os encontros aconteciam no flat em que o delator se
hospedava no Leblon ou no Hotel Ipanema Plaza. “Que o depoente levou a sacola
com dinheiro para o flat; que depois Iara entrou em contato com o depoente; que
foram mais ou menos 10 repasses da Queiroz para os senadores Jader e Renan; que
em todas as dez vezes, foi Iara que recebeu os recursos destinados tanto ao
Senador Jader, quanto ao Senador Renan”, afirma o documento assinado por
Parente.
A atuação da assessora de Jader em nome de Renan foi
verificada pelo delator em todos os repasses feitos por ele ao presidente do
Senado. O procedimento se repetia nos pagamentos da UTC. Ricardo Pessôa, então
presidente da empresa, comandava a contabilidade. Entre o segundo semestre de
2005 e o início de 2006, Parente recebeu ligações de Pessôa com o objetivo de
agendar reuniões para a liberação do dinheiro. O valor, dividido em quatro
parcelas, era de R$ 1 milhão. As duas primeiras parcelas iriam para Renan e
Jader, enquanto os R$ 500 mil restantes foram para Daniel Machado. Em delação
premiada homologada em maio, Daniel relatou aos procuradores que, em 2007, recebeu
uma transferência de R$ 500 mil da empresa Destak, da qual Felipe Parente era
sócio. A fatia dos senadores vinda da UTC também foi recebida por Iara, que
viajou para São Paulo para recolher o dinheiro. Ao relatar a propina da UTC,
Parente foi preciso: “Que todas as vezes que o depoente intermediou recursos
destinados ao Senador Renan Calheiros foi Iara quem se apresentou para receber
tais valores; que nunca foi procurado por outra pessoa ligada ao Senador Renan
Calheiros”.
O primeiro contato entre Felipe Parente e Iara
ocorreu no segundo semestre de 2004, quando o delator repassou a primeira de
quatro parcelas que totalizavam R$ 1 milhão em propina pagos pela Teekay
Norway, em nome de Renan e Jader. No primeiro pagamento, feito no Rio de
Janeiro, Iara se identificou como receptora dos “envelopes” de Jader. A
assessora mostrou-se apreensiva com a quantidade de dinheiro que teria de
carregar em voo e pediu que as próximas parcelas fossem pagas em São Paulo. Não
foi atendida. No repasse seguinte, para Renan Calheiros, Parente deparou
novamente com Iara, que voltou ao Rio para receber a segunda fatia de R$ 250
mil, dizendo-se  a representante do
presidente do Senado. O delator relatou aos procuradores a surpresa ao perceber
que a mesma pessoa receberia dinheiro pelos dois senadores. “Que, depois do
depoente receber a segunda parcela do Sr. Tobias, uma mulher ligou para o
depoente e disse que estava ligando para receber os recursos do Senador Renan;
que, quando esta pessoa foi até o flat do depoente, este identificou que se
tratava da mesma Iara que fora receber os recursos destinados ao Senador Jader;
que o depoente questionou Iara, mas ela disse que era isso mesmo, que se
tratava do mesmo assunto”, diz Parente.
Sérgio Machado, ex-presidente da Transpetro, foi massacrado
publicamente por Renan Calheiros quando sua delação se tornou pública, na
sequência de uma série de gravações feitas por ele e divulgadas pelo jornal
Folha de S.Paulo, nas quais expunha os caciques do PMDB. O presidente do Senado
classificou as gravações de “fantasiosas”. No texto entregue aos procuradores,
Machado disse que, ao entrar na Transpetro, passou a receber pedidos de Renan.
“Que uma vez no início da minha gestão em 2004, 2005, ele me falou das
dificuldades em manter sua estrutura política e perguntou como eu podia ajudar;
que então definimos que eu faria repasses de valores ilícitos que iria buscar
através dos fornecedores parceiros da Transpetro”, afirmou.
A entrada do hoje delator, Felipe Parente, no esquema
de corrupção coincide com o aumento dos repasses a pedido dos peemedebistas a
partir de  2004. “Eu precisei recorrer a
pessoa de confiança que pudesse operacionalizar recebimentos e pagamentos a
políticos; que eu então procurei o executivo chamado Felipe Parente, que havia
sido tesoureiro na minha campanha ao cargo de governador, em 2002”, disse
Machado. “Uma vez por mês tratávamos de recebimentos de Renan Calheiros”,
afirmou Machado. Sem conseguir contar com precisão a operacionalidade dos
pagamentos, a delação de Sérgio Machado foi desmerecida por ex-aliados. Mas seu
filho Daniel foi taxativo: “Felipe poderá detalhar os fatos narrados por meu
pai”. Felipe cumpriu o vaticínio. Pior para Renan Calheiros.
O senador Jader Barbalho negou que conheça Felipe
Parente e que tenha recebido repasses de tais empresas por intermédio dele. Em
nota, a assessoria de Renan Calheiros afirma que o senador “jamais, em nenhuma
circunstância, recebeu vantagens de quem quer que seja” e que “as chances de se
encontrar qualquer irregularidade em suas contas pessoais ou eleitorais é
zero”. Renan afirma que não conhece Felipe Parente e que, embora saiba de quem
se trata Iara Jonas, não tem nenhuma relação com ela. A Construtora Queiroz
Galvão divulgou nota por ocasião da delação de Machado em que diz que não
comenta investigações em andamento, e acrescentou que “as doações eleitorais
obedecem à legislação”. Representantes da Teekay não foram localizados pela
reportagem. Iara Jonas foi procurada, mas não retornou o pedido de entrevista
até a publicação da reportagem. Felipe Parente, como colaborador em tratativas
com a Procuradoria-Geral da República, não pode se manifestar.

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