Inquérito Civil nº 06.2016.00003289-8

RECOMENDAÇÃO
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE, por meio da Promotoria de Justiça da Comarca de Ceará-Mirim/RN, no uso
das
atribuições conferidas pelo artigo 129, incisos II e III, da Constituição
Federal, pelo artigo 27, Parágrafo único, inciso IV, da Lei 8.625/93 (Lei
Orgânica Nacional do Ministério Público) e pelo artigo 69, Parágrafo único, alínea “d”, da Lei Complementar Estadual nº 141/96 (Lei Orgânica Estadual do
Ministério Público), e ainda,
. CONSIDERANDO que, conforme estatui o artigo 37, caput,
da constituição federal, a administração pública direta e indireta de qualquer dos
poderes da união, dos estados, do distrito federal e dos municípios obedecerá
aos
princípios de legalidade, moralidade, eficiência;
. CONSIDERANDO que incumbe ao ministério blico a defesa da
ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais
indisponíveis, nos termos do artigo 127 da constituição federal;
. CONSIDERANDO que a lei
12.846/13, conhecida
como “lei anticorrupção empresarial” tipifica como atos lesivos à administração pública as condutas utilizar-se de interposta pessoa sica ou jurídica para ocultar ou
dissimular seus reais
interesses ou a identidade dos beneficiários dos atos
praticados
(art. 5º, iii) e criar, de modo fraudulento ou irregular, pessoa jurídica
para
participar de licitação pública ou celebrar contrato administrativo
(art.
5º, iv, “e”);

. CONSIDERANDO que a prefeitura de
Ceará-Mirim
celebrou, através do convênio 003/2016, pacto com o Instituto de Desenvolvimento Humano, pessoa jurídica de direito privado, de repercussão financeira global de R$ 9.693.000,00, em 12 (doze) parcelas
mensais de R$807.750,00, para universalizar a atenção básica em saúde, as ações de média e alta complexidade e o atendimento médico, odontológico, ambulatorial e hospitalar no município
de
Ceará-Mirim, de 01/06/2016 a 01/06/2017.
. CONSIDERANDO
que,
em pesquisa preliminar, não foi detectado
o registro de nenhum empregado do Instituto de Desenvolvimento Humano no
CAGED, o que indica a inexistência de quadro dico e odontológico vinculado ao
IDH
para
prestar serviços de tal monta;
 

. CONSIDERANDO que a sede do IDH, declarada à Receita Federal como situada na rua Cleto Campelo, 160, térreo, Garanhuns/PE, era, em 2012, de acordo com o aplicativo google street view, uma pequena casa, sem letreiro, nem qualquer indicação ostensiva de que se trata de um instituto apto a prestar
serviços desse porte – muito embora a constituição do instituto date de
2008;
. CONSIDERANDO, portanto, que indícios de que o Instituto de
Desenvolvimento Humano não tem sede no endereço declarado, bem como de que não registra seus empregados junto ao Ministério do Trabalho e Emprego fatos que podem apontar a ocorrência de ato lesivo à administração pública, nos termos do
art. 5º, incisos III e IV, “e”, da lei 12.846/13);
. CONSIDERANDO ainda, o disposto no
art. 199, §1º, da Constituição da República, e no art. 24, da lei 8.080/90, que determinam que a participação privada no SUS deve se dar de forma complementar, somente quando houver indisponibilidade da rede pública para garantir cobertura
assistencial integral à
população;
. CONSIDERANDO que
a concessão dos serviços
públicos de saúde a instituição que contratará os profissionais que os executarão, sob
regime privado e sem critérios objetivos, representa clara ofensa à regra constitucional do concurso blico, estampada no art. 37, II, da constituição
federal de 1988;
. CONSIDERANDO que a lei de responsabilidade fiscal determina
que
os valores dos contratos de terceirização de mão-de-obra que se referem à substituição de servidores e empregados blicos serão contabilizados como outras despesas
de pessoal
(art. 18, §1º), devendo fazer parte do cálculo de despesas com pessoal
p
ara os fins da LRF;
. CONSIDERANDO
que a contratão do Instituto de
Desenvolvimento Humano visa a burlar esse dispositivo legal, como se infere do
art. 3º, III, da lei municipal 1.731/2015, editada exatamente para a contratão do dito instituto;
. CONSIDERANDO, aliás, que a intenção inicial do “convênio” foi efetuar essa burla, já que a lei municipal repete texto de folheto do próprio
Instituto de Desenvolvimento Humano, trazido a esta promotoria de justiça, que registra ser momento propício para a celebração do “convênio de cooperação técnica
com cessão onerosa
de profissionais médicos e
paramédicos quando a despesa com pessoal, verificada no quadrimestre
imediatamente anterior, aproximar-se, atingir ou ultrapassar o limite
prudencial de 52% da receita corrente líquida
;
. CONSIDERANDO
que, desde janeiro de 2016
a prefeitura de Ceará-Mirim tem ciência de que ultrapassou
o limite prudencial de despesas com
pessoal, de 52% da receita corrente líquida, como demonstra o relatório de gestão fiscal do 3º quadrimestre de 2015, de 28 de janeiro de 2016, publicado
pelo
prefeito municipal e pela contadora do município;
. CONSIDERANDO que o quadro indiciário revela, portanto, que a prefeitura está intentando burlar a lei de responsabilidade fiscal, para evitar as proibições picas de quem atinge o limite prudencial de despesas com pessoal:

(i) a concessão
de vantagem, aumento, reajuste ou adequação de remuneração a qualquer título;
 

(ii)
a criação de cargo, emprego ou função; 

(iii) a alteração de estrutura de carreira que implique aumento de despesa; (iv) o provimento de cargo público, admissão ou contratão de pessoal a qualquer título; (v) a contratação de hora extra;

. CONSIDERANDO que
o ano corrente (2016) prevê
eleições municipais, momento político e social que requer, pelas regras ordinárias de experiência,
intenso cuidado com as finanças
públicas;
Resolve recomendar ao Exmo. Sr. Prefeito Municipal de Ceará-Mirim Antônio Marcos de Abreu Peixoto e à Ilma. Sra. Gestora Municipal de Saúde, Maria Elaine Bezerra de
Lima, que:
 
(i) Suspenda imediatamente a execução do convênio 003/2016, bem como de
qualquer outra parceria ou contrato firmado com o Instituto de Desenvolvimento Humano;
(ii) Tome as medidas determinadas pelo art. 169, §3º, da Constituição da
República, especialmente a redução de cargos
comissionados e funções de
confiança e a rescisão de contratos temporários ilegalmente mantidos;
(iii) Após o saneamento das despesas com pessoal, com a recondução do município a patamares inferiores ao do limite prudencial estipulado pela lei de responsabilidade fiscal,
deflagre concurso público para execução integral
dos serviços blicos de saúde.
Remetase a presente recomendação aos seus destinatários,
com entrega pessoal, concedendo-se o prazo de cinco dias para prestar informações
sobre o cumprimento.
Encaminhe-se cópia
eletrônica da
presente para a Coordenação do
Centro de Apoio
O
peracional às Promotorias de Defesa do Patrimônio Público.
Publique-se. Registre-se.
Ceará-Mirim, 27 de junho de 2016.
Izabel Cristina Pinheiro
Promotora de Justiça

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